Em cada dez jovens, oito entram no mercado sem preparo

Trabalho e renda

Em cada dez jovens, oito entram no mercado sem preparo

Pesquisa da CNI mostra que indústrias nacionais têm dificuldade em contratar trabalhadores devido à falta de mão de obra qualificada. Caminho para reverter esse apagão é dotar estudantes de conhecimentos práticos

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Em cada dez jovens, oito entram no mercado sem preparo
Vale do Taquari

Um paradoxo se coloca diante do mercado e das autoridades políticas. De um lado, o país sofre com um desemprego que afeta mais de 11 milhões de pessoas. No outro, as indústrias encontram dificuldades em preencher vagas por falta de trabalhadores qualificados.

Esse distanciamento fica evidente a partir da pesquisa “Sondagem Especial – Falta de Trabalhador Qualificado”, divulgada ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O estudo mostra que a escassez de mão de obra qualificada afeta a produção do Brasil. Pelo diagnóstico, a função com maior carência de trabalhador qualificado é a de operador, que afeta 96% das empresas que relataram o problema.

A lista segue com empregados de nível técnico, que atinge 90% das indústrias que enfrentam a falta de empregados com a formação adequada. Também há escassez de qualificação nas áreas de venda e marketing (82%), administrativa (81%), engenharia (77%), gerencial (75%) e pesquisa e desenvolvimento (74%).

A pesquisa foi realizada de 1º a 11 de outubro de 2019, com 1.946 indústrias de transformação e extrativas de todo o país. Desse total, 794 são pequenas, 687 são médias e 465 são de grande porte.

“As empresas hoje têm menos tempo para treinar”

O cenário nacional exige uma adaptação rápida do trabalhador. É o que afirma o coordenador da agência Sine/FGTAS de Lajeado, Lairton Frederico Heineck. De acordo com ele, apesar dos programas para treinamento da mão de obra dentro das empresas, o empresário precisa de respostas ágeis. “Por vezes preparar alguém siginifica perder duas pessoas na produção. Uma em aprendizado e outra para ensinar.”

Na avaliação dele, além de desenvolver políticas públicas para incentivar o jovem a buscar a qualificação, também é preciso mais interesse por parte dos candidatos. Na unidade de Lajeado, a média de vagas abertas vai de 10 até 50 postos por mês. “Mesmo assim, na maioria das vezes não se consegue preencher esse número”.

De acordo com Heineck, as funções mais procuradas são de auxiliar de produção, secretária e vendedores. “A baixa escolaridade é a principal crítica que ouvimos. Muitos candidatos não têm nem mesmo o Ensino Médio”, alerta.

Entre o comportamento e a escolaridade

Gargalos para a entrada das pessoas no mercado de trabalho estão ligadas a formação básica e também o comportamento. Frente à imersão tecnológica, em que as empresas atravessam a transição à indústria 4.0, aumenta a exigência à educação com ênfase nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia, artes e matemática.

Para o superintendente do Sesi-RS, Juliano Colombo, o modelo educacional precisa ser revisto. “Os dias de hoje mostram a necessidade de fazer diferente. Décadas atrás o desafio do país era o acesso à escola. Hoje não é mais um problema.”

Frente ao diagnóstico de esgotamento do modelo tradicional de ensino, o Sesi começou a elaborar um novo formato para preparar os jovens. “Se não mudar a educação pública, nunca teremos o país do futuro.” Para Colombo, transformar o ensino também é uma ferramenta para combater a desigualdade social.

Na avaliação dele, a educação é a principal forma de reduzir essas diferenças. A partir de experiências em outros países, foi criado um método próprio adaptado ao Ensino Médio. Uma modalidade preparatória para o mercado de trabalho, frisa Colombo.

Essa avaliação se aproxima dos apontamentos destacados pelo estudo da CNI. A confederação realça que o ensino básico deve estimular a interdisciplinaridade (utilização simultânea de várias áreas do conhecimento), a tomada de decisões e a resolução de problemas.

Educação profissionalizante

O estudo destaca a baixa inserção da educação profissionalizante no país. Enquanto o percentual de estudantes do ensino médio matriculados em cursos profissionalizantes ultrapassa 40% na Alemanha, na Dinamarca, na França e em Portugal e atinge cerca de 70% na Áustria e na Finlândia, no Brasil o percentual chega a 9,7%.

No país, cerca de dois a cada dez estudantes que concluem o nível médio alcançam a educação superior. O restante, incluindo os que largaram a escola, entra no mercado de trabalho sem preparo.

A entidade sugere esforços de capacitação e de requalificação, no curto prazo, e melhoria da qualidade da educação básica no Brasil, com prioridade para a educação profissional, no médio e no longo prazo.


Entrevista:

Edi Fassini

• Diretora do Centro de Educação Profissional da Univates

“O certo é que todos precisamos continuar estudando”

O término do Ensino Médio impacta de diferentes formas sobre os jovens, diz a professora e diretora do Centro de Educação Profissional da Univates. Para Edi Fassini, a formatura é um momento de busca de autonomia pessoal e profissional desses estudantes.

A Hora – A pressão por achar uma profissão interfere de que forma na vida dos jovens?
Edi Fassini – A quantidade de ofertas de cursos confunde. Algumas profissões tradicionais são mais facilmente escolhidas ou rejeitadas. Mas a toda hora surgem novas alternativas de cursos e de profissões e o jovem precisa ser orientado. A pressão dos pais geralmente é forte e muitas vezes confunde mais. Quando a gente conversa com os jovens, as suas escolhas têm mais chance de acerto, porque apresentamos oportunidades e desafios de cada profissão e eles tomam decisões de forma mais consciente.

– Qual a importância de já se ter uma ideia sobre carreira profissional ao sair da escola?
Edi – É muito importante a escola, os professores auxiliarem nessa orientação. Ao mesmo tempo que “google” responde tudo, também confunde muito, pois além da não confiabilidade de todas as informações, muitas informações são superficiais. Penso que os alunos de ensino médio devem pesquisar, sim, mas também ter contato com diferentes ambientes de trabalho real; a aproximação com quem vive a profissão é muito importante.

– Quem já está no mercado de trabalho leva alguma vantagem?
Edi – Sim, a empregabilidade (e oportunidades de empreender de forma autônoma) para quem faz curso técnico é imediata. Nas profissões regulamentadas, é claro, o profissional só pode atuar após seu Registro Profissional. Mas nossos estudantes têm inúmeras oportunidades de atuação como estagiários, as empresas buscam a Univates através de nossa Central de Carreiras. Vivenciar o mundo real da profissão é estar muitos pontos à frente, é estar na vitrine dentro e fora da empresa; quem tem bom desempenho técnico e comportamental sempre recebe boas propostas de trabalho. Qual o empregador que não deseja um profissional que dá conta de tarefas, de forma competente, desde a admissão?

– Curso técnico ou superior: como escolher?
Edi – O certo é que todos precisamos continuar estudando, nos aprimorando a vida toda. A escolha de um curso técnico é sempre uma boa opção, por ser mais rápido e focado em determinadas competências. Além disso, pode ser cursado paralelamente ao Ensino Médio. E depois, o avanço para um curso superior é mais seguro. Mas isso também depende das aspirações do jovem e alguns chegam à Universidade muito decididos. Há profissões muito interessantes que exigem curso superior.

Enfatizo, contudo: para quem está indeciso quanto à profissão a seguir, o ingresso na formação técnica é uma boa opção, porque o estudante já no primeiro semestre vai perceber “se essa é ou não sua praia”, em função das aulas práticas. Da mesma forma, curso técnico também é uma boa escolha para quem precisa melhorar sua renda, e para quem está no mercado, mas quer mudar sua área de atuação.

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